sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Têm coisas que não podem ser Mudadas

Clarice vivia com seus pais. Nunca se casou, porém tivera três relacionamentos. Para cada um levou um fruto, Mateus, Marcos e Lucas.
Tudo começava assim, namorava, se apaixonava, não se cuidava e pronto, um choro de nenê adentrava  a madrugada. 
O pai Sr. João já estava cansado daquela rotina e sabia que mais uma boca haveria de alimentar.
- Clarice, você precisa tomar juízo, já não é mais uma mocinha. Quem vai querê-la com esse monte de filhos?
- Eu sei pai. Isso não vai mais acontecer.
Era a mesma coisa que falar com um jumento e mais uma vez, outro choro arrancava o sono tranquilo dos moradores da casa.
- Outro menino, graças a Deus. Clarice, Clarice, tome juízo a partir de agora.
- Sim, pai, isso não vai mais acontecer.
Não demorou muito e Clarice conheceu Pablo. Foi amor a primeira vista. Dizia que o grande homem de sua vida havia chegado para alegrá-la e fazê-la feliz. 
Do namoro a morar juntos levou apenas seis meses. Saiu de casa, mas deixou às crianças.
- Pai, só por um tempo, logo volto para pegá-los.
- Olha filha, não se preocupe, os meninos estão acostumados aqui com a rotina da casa. Viva sua vida, mas não se esqueça dos garotos, venha diariamente vê-los.
E Clarice bateu à porta, sem olhar para trás, nem ao menos abraçar aquele homem que era mais que seu genitor, cuidava, se dedicava e se tornava o grande protetor de seus filhos.
Não demorou muito e passos pesados de uma mulher chorosa e arrependida adentrava na pequena sala onde as crianças ouviam uma história infantil contada pelo avô.
- Nunca mais pai, nunca mais quero vê-lo. Homem insensível, destrutível. E agora, meu Deus, o que vou fazer? Pai...
Clarice se calou, abaixou a cabeça e se jogou no chão encostando a cabeça no colo do pai. Ele entendia tudo, como das outras vezes, mais uma boca haveria de sustentar. Só que dessa vez, suas mãos continuaram repousando no braço da banqueta. Não conseguia se mover, não entendia a irresponsabilidade da própria filha. 
Com o passar dos meses o que parecia amor se tornava repulsa e não suportava fitar a barriga de Clarice crescer e tomar a forma de uma fábrica de bastardos.
- Não, Berenice, não quero mais ninguém nesta casa, com o que ganho mal dá para matar a fome deles - apontou para o Mateus e Marcos - não quero mais saber, chega, ela que dê um jeito nesse outro na hora mesmo.
- Mas João, tente entender, o que Clarice irá fazer, quando esse bebê nascer?
- Isso não é mais problema meu. Aqui em casa não, nunca mais.
E o tempo passou e o choro adentrou mais uma vez naquela madrugada fria e sem esperança.
Clarice, logo cedo, vestiu, alimentou o menininho e depositou-o no velho moisés ganhado e forrado com colchas. Entrou no quarto dos pais sem fazer barulho e o colocou ao lado da cabeceira do pai. Deu uma boa olhada naquele rosto cansado das batalhas diárias em troca de míseros cruzeiros e sentiu remorso.
Saiu do quarto da mesma forma que entrou, pegou uma mala com suas roupas e partiu.
Senhor João e Dona Berenice, nunca mais tiveram notícias de Clarice.
E assim, a menina que virou moça e mais tarde uma fábrica de bastardos, como o pai se referia a ela, saiu de suas vidas para ser o que jamais o pai quisera que fosse e a única coisa que lhe dava esperança: amar.

em: "Memórias de uma Mente Doentia"



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